NOSSA HISTÓRIA

OS QUE LUTAM
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

– Bertolt Brecht –

O trabalho teve início em duas vilas da periferia de São Leopoldo que neste período representavam os núcleos que demandavam crianças e adolescente para o centro da cidade e de onde proviam um alto número de adolescentes em conflito com a lei. Regiões essas que eram na vila São Jorge e núcleo habitacional Cohab/Feitoria.

Atuávamos a partir de oficinas lúdico-pedagógicas com as crianças e adolescentes e grupo de mulheres tendo um caráter de educação popular e comunitária. No mesmo ano foi desencadeado o trabalho de abordagem e educação de rua junto aos meninos e meninas que faziam das ruas do centro da cidade seu espaço de vida (engraxates, pedintes, guardadores de carro...) e atendimento de adolescentes em conflito com a lei atendo como Medida Sócio Educativa em Meio Aberto.

Enquanto isto, o Brasil, ocupava na década de 80, a 8ª posição econômica mundial. Tornando-se paradoxal a realidade de existirem mais de 36 milhões de crianças e adolescentes carentes da satisfação das necessidades básicas para uma vida digna e marginalizada da participação social e da garantia de direitos.

A realidade de crianças e adolescentes está intrinsecamente vinculada a causas de caráter econômico-social-político-cultural, como decorrência de um modelo econômico imposto no País, da condução política do governo e da conivência da classe dominante com a espoliação transnacional.

No campo econômico, constatam-se determinantes da situação das crianças e adolescentes que nos dão maior compreensão das reais causas de sua marginalização. Se atentarmos para a renda per-capita[1] do Brasil, verificamos que ela é de 1.600 dólares (dados de 1987), sendo que para os 40% mais pobres é de 287 dólares (dados do UNICEF).

Quase 25 milhões de crianças e adolescentes são de famílias com renda mensal per-capita de até 33 dólares (1/2 Salário-Mínimo). O salário-mínimo, única renda de 19,4% da população, não alcança 66 dólares. Existem remessas enormes de dólares para o pagamento da dívida externa, concentração de riqueza numa minoria privilegiada e especulação financeira, têm, por outro lado, a pauperização da maioria absoluta da população.

[1] Dados extraídos do documento: PROAME – Programa de Apoio a Meninos e Meninas – Organização participativa e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Leopoldo, 1991 Arquivo morto pasta de Documento da Comunidade Duque – folha 3, parágrafo 3º.

O PROAME surgiu na década de 80, num momento em que o mundo passava a viver o distencionamento das relações entre os Estados Unidos e a União Soviética, que levou ao fim da “Guerra Fria”. As duas décadas de Ditaduras Militares promovidas pelos EUA nos países da América Latina, já tinham produzido os objetivos propostos: acabar com a emergência social e política dos movimentos populares, garantindo a estabilidade e segurança dos interesses econômicos norte-americanos na região. Continuidade. (PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, 2009-2011, p.4)

Neste cenário que se apresenta, muitas crianças e adolescente tem a obrigatoriedade de enfrentarem precocemente o mercado de trabalho ou subemprego para colaborarem na renda familiar. Cerca de 30% das crianças e adolescentes trabalham no Brasil, e a grande maioria em ocupações mal remuneradas, insalubres ou arriscadas.

No campo social, vive-se os resultados de uma industrialização inconsequente, causadora do êxodo rural, que lançou as periferias das cidades, grande contingente populacional que não foram absorvidos pelo mercado de trabalho, gerando os cinturões de miséria, onde não existe infraestrutura mínima necessária a sobrevivência. “...quarenta milhões de brasileiros amargam a carência ou precariedades no que diz respeito à moradia, educação, alimentação, transporte, lazer. Há 6,5 milhões de trabalhadores rurais em terra.”

A criminalidade e a segurança pública adquirem contornos dramáticos e recebem tratamentos inadequados. O sistema educacional brasileiro está falido, pois nem o valor mínimo previsto em Lei é aplicado para este fim. O dinheiro é desviado para obras como construção de estradas, estádios de futebol e outros. Cerca de 18 milhões de crianças e adolescentes entre 7 e17 anos são analfabetos. Quase metade da população rural brasileira em idade escolar não pode frequentar uma sala de aula.

Na realidade cultural, está descaracterizada em função da invasão de valores importados e impostos a população através dos: meios de comunicação social. Não obstante, persistem grupos que preservam características locais como a capoeira, o Samba, a Música Nativista, o Artesanato e Artes Autóctones.

O campo político é permeado por demagogia e o consequente descrédito. Existe uma eloquente “defesa dos direitos dos Menores” nas tribunas, entretanto as práticas não ultrapassam o paternalismo eleitoreiro.

Na contrapartida, a partir de 85, constata-se alguns avanços significativos neste sentido, a partir de um amplo movimento social organizado, composto principalmente por entidades e grupos que experienciam alternativas de atendimento de meninos e meninas de rua no País. Explicita-se de forma contundente, o fracasso das ações oficiais ditadas pela Política Nacional do Bem Estar do Menor e respaldadas pelo “Código de Menores”.

Começa a tomar forma, por meio da articulação de várias entidades da sociedade civil, uma nova proposta político-pedagógica, que traz em seu bojo uma concepção mais ampla da questão da criança e do adolescente marginalizado. Não é possível pensar-se esta questão de forma desvinculada das demais questões sociais.

Com uma Nova Constituição (1988) e efervescência dos momentos populares que é em 12 de julho de 1990 aprovado o “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA) como uma alternativa ideológica ao Código de Menores. O Estatuto enfoca a questão de crianças e adolescente a partir dos direitos destes, procurando garanti-los de uma forma agora oficial e revogando a política anterior que tinha seus pilares fundados na repressão e nos programas de cunho assistencialista.

O Estatuto por si só, não garante as modificações necessárias, e um novo entendimento e abordagem da questão da criança e do adolescente sendo importante por isso à continuidade da luta a nível também dos municípios, com a criação dos “Conselhos Tutelares” e “Conselhos Municipais” que poderão dar forma as concepções aprovadas pelo ECA.

O Proame, sendo uma das entidades que se engaja nesta luta pela aprovação do Estatuto, implementa no estado como um projeto, o primeiro Centro de Defesa da Criança e do Adolescente - CEDECA Bertholdo Weber – filiado á Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG – e a Associação Nacional dos Centros de Defesa – ANCED, um instrumento ágil e eficiente na promoção, garantia e defesa dos direitos, bem como se constituir num espaço político-pedagógico de construção da cidadania.

Em 22 de maio de 1993, o Proame, deixa de ser um projeto e passa a constituir-se como uma entidade jurídica, uma Organização Não Governamental sem fins lucrativo, realizando a defesa jurídico-social dos direitos humanos de crianças e adolescentes, de forma articulada e integrada com os demais atores sociais, tendo como eixos temáticos à intervenção na situação de rua e o enfrentamento a violência sexual. O Proame torna-se, não só uma entidade como também um Centro de Defesa.

Sua organização institucional passa e ser composta por um quadro de associados que deliberam em Assembleia Geral as diretrizes políticas do trabalho, sua gestão, realizada pelo Conselho Diretor e Conselho Fiscal e a execução de projetos, atribuição de uma secretaria executiva e equipe técnica interdisciplinar, composta por Educador Social, Oficineiro, Psicólogo, Assistente Social e Advogado.

O PROAME/CEDECA passa a seguir uma missão que consiste em “Defender os direitos das crianças e adolescentes desenvolvendo um processo educativo e libertador junto a estes, suas famílias e comunidade, através de intervenções de caráter interdisciplinar e atuando na formação e capacitação dos atores sociais, visando à promoção da vida digna e o exercício da cidadania.” [2]

[2] Esta missão será substituída pela nova que está em discussão pelo grupo com a construção do planejamento estratégico institucional triênio de 2009-2011.

A partir de seu planejamento estratégico - 2002 – 2006 - o PROAME desenvolve suas ações contemplando quatro eixos programáticos:

1.Intervenção junto à realidade das crianças e adolescentes em situação de rua – Projeto Olhos da Rua;

2.Intervenção na realidade da violência doméstica e do abuso sexual contra crianças e adolescentes – Projeto Travessia;

3.Ações de garantia dos direitos fundamentais - Orçamento Criança;

4.Prevenção primária na comunidade – Comunidade Feitoria.

É nessa perspectiva que o CEDECA, vem firmando parceria com outras instituições, que trabalham de forma direta ou indireta com este público, para a consolidação de uma rede de atenção que possa além de prestar o atendimento necessário e de resgatar o vínculo destes meninos e meninas em algumas comunidades de São Leopoldo, responsabilizar o poder público cobrando a execução de políticas públicas de atendimento.

Tendo como intenção, possibilitar que se construa um conhecimento empírico e teórico junto com outros atores sociais do município, fortalecendo o encaminhamento de políticas públicas e programas mais adequados a esta realidade, através da rede de atenção. Para tanto propôs a outros atores sociais que atuam com crianças e adolescentes no município a parceria para execução de projeto de atendimento e articulação.

A relação com esses parceiros iniciou pela participação nos espaços de articulação, como o Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, possibilitando unir forças para buscar alternativas a situação de rua e violência sexual contra crianças e adolescentes.

Nos dias de hoje, convivemos com a consolidação da democracia, ocorridas na primeira década do novo milênio, quando se firmou como um valor de extensão continental na América Latina. Não só as ditaduras acabaram como o “entulho autoritário”, no caso leis e instituições são extintas (no caso, as polícias políticas, legislações como a Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa...). A estabilidade política favorece um ambiente econômico mais próspero. Especialmente no Brasil, onde programas de segurança alimentar e de transferência de renda assumem dimensões inéditas.

A combinação de prosperidade econômica com ampliação de políticas públicas, cuja efetividade nem sempre é mensurada, passa à comunidade internacional a imagem de que a emergência das nações latina americanas torna menos importante e dispensável a cooperação técnico-financeira com os países desenvolvidos. Isso impõe um grande desafio às ONGs: sobreviver e manter a identidade num contexto de falta de recursos. Para um Estado, sempre carente de recurso humanos para ampliar a oferta de serviços, o chamado “terceiro setor” foi o caminho mais curto e barato para ampliar a oferta dos mesmos. Isso enfraquece o papel político das entidades da sociedade civil. As entidades, muitas vezes se exaurem, incham, por abraçarem a prestação de serviços que são competência do Estado e renunciam ao seu papel político, de realizar o controle social sobre as políticas públicas. Situação esta que é agravada pela necessidade de renovação de lideranças e de profissionais nas entidades. Boa parte das Instituições e movimentos sociais que tiveram destacada atuação e militância na garantia de D.H. estão vivendo a renovação de seus quadros. Muitos profissionais saem da academia com uma visão de mercado, voltado para as demandas desse e não para a defesa de Direitos. (idem)

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